quinta-feira, 7 de novembro de 2013

Avó Maria Isabel


Se a minha avó Maria Isabel fosse viva, faria hoje 98 anos. Já morreu há 17 anos, quando eu tinha 10, por isso lembro-me pouco dela. Não tenho memória de dias passados com ela, apesar de saber que foram muitos pelas fotos que os meus pais guardam. Sei que todos os anos passávamos uma semana de férias no Algarve, os quatro primos com os avós e lembro-me do feitio irascível do meu avô, que também morreu em 1996, mas da minha avó, de quem gostava muito mais que do meu avô, quase nada me lembro.
Não percebo este fenómeno de me lembrar do meu avô, de quem eu não gostava muito. Lembro-me perfeitamente de situações passadas com ele, de ele nos bater e castigar nas ditas férias no Algarve, uma semana no verão, em cada ano. Mas a minha avó Maria era muito doce. Tinha sempre bolos feitos para nós e festinhas para dar. Quando o meu avô Rogério morreu de cancro em Julho, ela foi-se abaixo. O desgosto foi tal que deixou de viver ainda em vida, tendo morrido pouco tempo depois, em Dezembro. Acho que ela morreu de desgosto. Mas um desgosto que nunca compreendi, porque ele não foi um bom marido para ela. A minha avó viu morrerem-lhe dois filhos, o primeiro nasceu morto e a segunda, uma menina, morreu de asfixia durante o sono, quando tinha dois anos. Sobraram o meu pai e o meu tio, seu irmão mais novo.
Só vi o meu pai chorar uma vez na vida. No dia que a mãe morreu. Chorou durante um dia inteiro. Era véspera de Natal. Eu tinha dez anos, mas esta imagem ficou-me gravada para sempre, porque eu com dez anos, não sabia que os pais, ou os adultos, também choravam.
Desde a morte da minha avó e durante muitos anos, todos os dias 7 de Novembro o meu pai e eu costumávamos ir ao cemitério levar flores à minha avó. Há cerca de uns seis ou sete anos que já não vamos. Perdemos esse costume e nem sei se ainda saberia dar com o sitio onde as cinzas dela estão enterradas.
Já não me lembrava que era hoje o dia do seu aniversário. O meu pai mandou-me à bocado um e-mail a recordar. Dizia apenas "a tua avó Maria fazia hoje 98 anos."
Tenho pena de não a ter conhecido melhor. Tenho pena que ela não tenha visto os netos crescerem, casarem, terem filhos. Ela haveria de gostar de acompanhar tudo isso. A verdade é que os nossos mortos nunca nos morrem completamente.

1 comentário:

Anónimo disse...

E nós, ainda vivos ou também mortos, nunca morremos para eles!
D.

Obs. De facto, a tua escrita é muito vívida...

D.